ABANDONADA
A velha casa, onde eu morei outrora
E que há muito está desabitada,
Silenciosa envolveu-me, ao ver-me agora,
Num triste olhar de amante abandonada.
Com que amargor no íntimo lhe chora
Uma alma sensitiva e ignorada,
Que não tem voz para queixar-se, embora
Se veja só, de todos olvidada!
Casa deserta e fria, que envelheces
Ao desamparo, sem uma afeição,
Bem sinto que me vês, que me conheces
E relembras os dias que lá vão…
Eu esqueci-te, amiga, e tu pareces
Toda magoada dessa ingratidão.
"... Pertencem a Almas Cativas alguns dos mais belos e expressivos poemas marítimos da poesia portuguesa. Neles, o peso opressivo da solidão concentra-se na sugestão de um ambiente fechado, de céus cinzentos e pesados, que se estende ao poeta de uma forma calma e difusa. As casas ancestrais e as ruínas humanizam-se, a noite, pelo seu «místico cismar», impõe um «terror sagrado» enquanto o luar transfigura a natureza, enfim, o poeta descobre a «alma de tudo a orar» e vê a sua sensibilidade exacerbada pelo pôr-do-sol, pelo vento agreste, por ruínas que se desenham em ambientes de decadência. ..." (ler+)