sexta-feira, 17 de setembro de 2010

LISBOA

I.P

LISBOA

De certo, capital alguma do Ocidente / Tem mais afável sol, ou um céu mais clemente, / Mais colinas azuis, rio d'águas mais mansas, / Mais tristes procissões, mais pálidas crianças, / Mais igrejas e cais - e vargens onde a esteira / Seja em tardes d´estio a flor da laranjeira!

A Cidade é garrida e esbelta de manhã!- / É mais alegre então, mais límpida, mais sã. / Com certo ar virginal ostenta suas graças... / Há vida, confusão, murmúrios pelas praças. / -E, às vezes, em roupão, uma violeta bela / Vem regar o craveiro e assoma na janela.

A Cidade é beata - e, às lúcidas estrelas, / O Vício, à noite, sai aos becos e às ruelas / Sorrindo, a perseguir burgueses e estrangeiros... / E à triste e dúbia luz dos baços candeeiros, / -Em bairros imorais, onde se dão facadas- / Corre às vezes o sangue e o vinho nas calçadas.

As mulheres são gentis. -Umas altas, morenas, / Graves, sentimentais, amigas de novenas, / Ébrias de devoções, relêem as suas Horas. / -Outras fortes, viris, os olhos cor d'amoras, / Os lábios sensuais, cabelos bons, compridos, / -Às vezes, por enfado, enganam os maridos!

Os burgueses banais são gordos, chãos, contentes, / Amantes de Cupido, egoístas, indolentes, / Graves nas procissões, nas festas e nos lutos. / Bastante sensuais, bastante dissolutos, / Mas humildes cristãos!... e, em místicos momentos, / -Tenho, ainda, cruéis saudades dos conventos!

Viciosa ela se apraz num sono vegetal, / Adversa ao Pensamento e contrária ao Ideal / -Mas, mau grado assim ser viciosa, egoísta, à lua, / Como Nero também, dá concertos na rua. / E, em noutes de verão, quando o luar consola, / -Põe ao peito a guitarra e a lírica viola.

No entanto a sua vida é quase intermitente. / Chafurda na inacção, feliz gorda, contente. / E, eclipsando as acções dos seus navegadores, / Abrilhanta a batota e as casas de penhores. / Faz guerra à Vida, à Acção, ao Ideal!... e ao cabo / -É talvez a melhor amiga do Diabo!

(Gomes Leal)

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