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sexta-feira, 6 de junho de 2025

GOMES LEAL

I.P.21

Passando pela R. Morais Soares, em direcção ao cemitério, o enterro do genial poeta Gomes Leal, glória nacional que terminou os seus dias na miséria...

"...

Tudo o que existe ou foi, morre para nascer.

Na campa dão-se bem as plantas graciosas,

E, um dia, na floresta harmónica das Cousas,

Quem sabe o que serei, quando deixar de ser!

A Morte sai da Vida - a Vida que é um sonho!

A flor da podridão, o belo do medonho,

E a todos cobrirá o místico cipreste!...

..."

(do soneto "A bela flor azul")

D.L.48

terça-feira, 6 de junho de 2023

GOMES LEAL



D.L.26

António Duarte Gomes Leal (Lisboa, 6 de junho de 1848 — 29 de janeiro de 1921) foi um poeta e crítico literário português. ... (ler+)

 "Claridades do Sul"


Carta ao Mar

Deixa escrever-te, verde mar antigo,

Largo Oceano, velho deus limoso,

Coração sempre lyrico, choroso,

E terno visionario, meu amigo!


Das bandas do poente lamentoso

Quando o vermelho sol vae ter comtigo,

— Nada é mais grande, nobre e doloroso,

Do que tu, — vasto e humido jazigo!


Nada é mais triste, tragico e profundo!

Ninguem te vence ou te venceu no mundo!...

Mas tambem, quem te poude consollar?!


Tu és Força, Arte, Amor, por excellencia! —

E, comtudo, ouve-o aqui, em confidencia;

— A Musica é mais triste inda que o Mar!

                                               in "Claridades do Sul"


D.L.35


Rev Mun.41


O Selvagem

Eu não amo ninguem. Tambem no mundo

Ninguem por mim o peito bater sente,

Ninguem entende meu sofrer profundo,

E rio quando chora a demais gente.


Vivo alheio de todos e de tudo,

Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,

Selvagem, solitario, inerte e mudo,

— Passividade estupida das Cousas.


Fechei, de ha muito, o livro do Passado

Sinto em mim o despreso do Futuro,

E vivo só commigo, amortalhado

N'um egoismo barbaro e escuro.


Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras

Regiões dos crueis indifferentes,

Meu peito é um covil, onde, ás escuras,

Minhas penas calquei, como as serpentes.


E não vejo ninguem. Saio sómente

Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,

Quando ninguem me espreita, nem me sente,

E, em lamentos, os cães ladram à lua...

                                             in "Claridades do Sul"


AlbumDasGlorias1881

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

LISBOA

I.P

LISBOA

De certo, capital alguma do Ocidente / Tem mais afável sol, ou um céu mais clemente, / Mais colinas azuis, rio d'águas mais mansas, / Mais tristes procissões, mais pálidas crianças, / Mais igrejas e cais - e vargens onde a esteira / Seja em tardes d´estio a flor da laranjeira!

A Cidade é garrida e esbelta de manhã!- / É mais alegre então, mais límpida, mais sã. / Com certo ar virginal ostenta suas graças... / Há vida, confusão, murmúrios pelas praças. / -E, às vezes, em roupão, uma violeta bela / Vem regar o craveiro e assoma na janela.

A Cidade é beata - e, às lúcidas estrelas, / O Vício, à noite, sai aos becos e às ruelas / Sorrindo, a perseguir burgueses e estrangeiros... / E à triste e dúbia luz dos baços candeeiros, / -Em bairros imorais, onde se dão facadas- / Corre às vezes o sangue e o vinho nas calçadas.

As mulheres são gentis. -Umas altas, morenas, / Graves, sentimentais, amigas de novenas, / Ébrias de devoções, relêem as suas Horas. / -Outras fortes, viris, os olhos cor d'amoras, / Os lábios sensuais, cabelos bons, compridos, / -Às vezes, por enfado, enganam os maridos!

Os burgueses banais são gordos, chãos, contentes, / Amantes de Cupido, egoístas, indolentes, / Graves nas procissões, nas festas e nos lutos. / Bastante sensuais, bastante dissolutos, / Mas humildes cristãos!... e, em místicos momentos, / -Tenho, ainda, cruéis saudades dos conventos!

Viciosa ela se apraz num sono vegetal, / Adversa ao Pensamento e contrária ao Ideal / -Mas, mau grado assim ser viciosa, egoísta, à lua, / Como Nero também, dá concertos na rua. / E, em noutes de verão, quando o luar consola, / -Põe ao peito a guitarra e a lírica viola.

No entanto a sua vida é quase intermitente. / Chafurda na inacção, feliz gorda, contente. / E, eclipsando as acções dos seus navegadores, / Abrilhanta a batota e as casas de penhores. / Faz guerra à Vida, à Acção, ao Ideal!... e ao cabo / -É talvez a melhor amiga do Diabo!

(Gomes Leal)